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Como a Ciência Comportamental pode transformar o Design da Experiência do Usuário

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Escrevi esse artigo porque sou super curiosa sobre o comportamento humano. Sempre fico pensando por que as pessoas agem de um jeito em certas situações, com determinadas pessoas, ou como tomam decisões. Desde criança, sempre fui observadora de detalhes que muitas pessoas não notam e me interessei mais em entender o comportamento das pessoas do que em apenas ouvir suas palavras. Por isso, decidi escrever sobre ciência comportamental, aproveitei minha grande curiosidade de entender o comportamento das pessoas e como ele se manifesta em diferentes áreas, especialmente no design de experiência do usuário.
Mas afinal, o que é exatamente essa tal ciência comportamental?
Conforme a Universidade de Chicago, a ciência comportamental investiga o comportamento humano por meio de observação e experimentação sistemáticas. Cientistas dessa área exploram quando e por que as pessoas adotam certos comportamentos, analisando, de forma experimental, o impacto de fatores como pensamentos conscientes, motivação, influências sociais, contexto e hábitos.
De maneira simples, é possível estudar o comportamento das pessoas (ou animais), em diversas áreas, como psicologia, antropologia, neurociência, economia comportamental, etc.
É uma forma de entender o motivo de fazer o que fazemos, o que nos motiva a tomar certas decisões, se podemos ser influenciados por emoções, por pessoas ou até mesmo pelo ambiente em que estamos inseridos. Isso pode vir desde decisões simples que tomamos até as mais complexas, assim como hábitos que passamos a ter, se temos padrões comportamentais de forma individual ou coletiva, etc.
É claro que cientificamente falando, um estudo desses envolve um experimento com observações rigorosas, seguido por métodos estatísticos e, é através desses estudos que a ciência comportamental responde sobre o que impulsiona nossas escolhas cotidianas.
Esses estudos geram muitos insights que vêm sendo aproveitados por governos, setores públicos e privados, para descobrir o que faz com que as pessoas se comportem de maneira diferente das desejadas para os objetivos e intenções.
Mas, para falar sobre esses comportamentos, vamos ter que abordar sobre os “vieses cognitivos”, que cientificamente falando, são distorções sistemáticas no processamento de informações, que ocorrem quando o cérebro humano utiliza heurísticas (atalhos mentais) para tomar decisões rápidas, ou seja, falando de maneira simples, é como se nosso cérebro usasse truques para tomar decisões rápidas, mas que podem nos levar ao erro. 


“Os vieses cognitivos são especialmente prevalentes quando as pessoas enfrentam situações complexas, incertas ou com excesso de informações, levando-as a recorrer a atalhos mentais (heurísticas) para tomar decisões de maneira mais eficiente, mas que nem sempre resultam em julgamentos precisos”. (Tversky & Kahneman, 1974).


E por que isso acontece?
É simples! Nosso cérebro tem uma capacidade limitada de memória, no processamento de informações e raciocínio lógico, então quando temos muitas informações para processar, naturalmente nosso cérebro se cansa e utiliza desses atalhos para economizar tempo e esforço, mas, ao fazer isso, pode nos levar a tomar decisões erradas ou irracionais.

“Pesquisadores identificaram mais de 180 vieses cognitivos distintos que afetam nossas percepções e decisões, muitos dos quais estão relacionados a processos heurísticos automáticos que simplificam a tomada de decisão em situações de incerteza ou complexidade.” (Pohl, 2017).


Vou falar um pouco sobre eu mesma, para abordar o assunto com um exemplo real… confesso que eu amo viajar! Você deve estar lendo e pensando: “eu também”, claro né, será que existem pessoas que não gostam?
Mas, então, continuando… Eu amo viajar, claro que na hora de escolher o destino meu cérebro recorre à decisão com base nos atalhos mentais, agora escrevendo calmamente sobre isso, eu tenho noção de alguns vieses “mais conhecidos” que meu cérebro pode ter recorrido, eu vou explicar com detalhes porque suponho isso.

O meu maior sonho de viagem é ir para o Japão e a Coréia do Sul, sou fã da cultura desses países asiáticos, amo animes, comida japonesa e coreana, a tecnologia, a simbologia das plantas asiáticas (flor de cerejeira, bambu, etc), doramas e muitas outras coisas que poderia me fazer ficar horas falando sobre, então desde a adolescência eu sonho conhecer o Japão e mais tarde veio o sonho de conhecer também a Coreia do Sul (tenho roteiro montado com as cidades, lugares, comidas, etc), o que seria interessante para conciliar os dois países asiáticos na mesma viagem, mas eu moro em Portugal. Você deve estar se questionando… E daí?

É que toda vez que vou viajar, escolho outros países da Europa mesmo, e com isso os anos do sonho da viagem para a Ásia estão cada vez maiores. Eu escolho a Europa pensando no preço, por ser perto, tem sempre algum lugar que tenho vontade de conhecer, tenho minhas gatas ficando um tempo longe de mim, estou acostumada a me virar no inglês de viajante que sempre deu certo nos países que visitei, não costumo ter choque de realidade porque encontro grandes semelhanças nos diversos países europeus, e tem algo maior: sonho tanto em conhecer o Japão e Coreia do Sul, a ponto de amar e idealizar, mas ter medo de ir realizar esse sonho e não achar tão incrível como eu pensava ou me sentir vazia depois de ter realizado o maior sonho de todos…
Então, ao refletir sobre as minhas escolhas de viagem que foram feitas, percebo que alguns vieses cognitivos estão me influenciando a priorizar destinos na Europa, mesmo que meu grande sonho seja conhecer o Japão e a Coreia do Sul. Vou explicar os vieses que podem estar em jogo e como eles afetam minhas decisões:

1. Viés de Custo e Praticidade

Esse é um dos primeiros fatores que pesa na minha decisão. Viajar dentro da Europa é mais barato, prático e rápido do que atravessar o mundo para chegar à Ásia. Além de economizar dinheiro, os voos são mais curtos, o que facilita o planejamento e reduz o tempo de ficar longe de casa.

2. Viés de Proximidade e Familiaridade

A Europa é um território familiar para mim. Já me viro com o inglês, o que facilita a comunicação, e há uma certa semelhança cultural entre muitos países europeus, o que reduz o choque de realidade e acaba me deixando em uma zona de conforto e faz com que seja mais fácil escolher esses destinos, em vez de me aventurar em lugares onde a cultura, o idioma e os costumes são bem diferentes.

3. Viés de Compromisso com o Passado (Status Quo)

Escolher destinos na Europa já virou uma espécie de padrão para mim. A cada viagem, já parece ser um hábito explorar novos países no continente mesmo, repetindo o comportamento e dificultando a mudança para um destino completamente novo como o Japão e a Coreia.

4. Viés de Confirmação e Aversão ao Risco

Embora sonhe intensamente em conhecer o Japão e a Coreia, há um medo de que a realidade não corresponda às minhas expectativas. Isso já aconteceu em outras viagens, e o receio de investir tanto tempo e dinheiro em algo que pode não ser tão incrível como eu idealizo, me leva a evitar realizar o sonho. O fato de já ter idealizado tanto essas viagens pode estar criando uma pressão para que a experiência seja perfeita, o que aumenta o medo de uma possível decepção ou vazio após a realização do grande sonho.

5. Viés de Aversão à Perda

Esse viés aparece na preocupação em ficar longe das minhas gatas por tanto tempo. Uma viagem para a Ásia exigiria mais tempo e planejamento, e o medo de “perder” esse conforto de estar perto das minhas filhas de bigode, de forma inconsciente, me leva a escolher destinos que não exigem uma longa ausência.

6. Viés de Recência e Influência Social

Mesmo com o grande sonho de ir à Ásia, as recomendações e experiências recentes de influenciadores do meu grupo de fotógrafos que visitaram lugares na Europa acabam influenciando minhas escolhas. Quando alguém menciona um destino europeu interessante, e captura fotos belas, isso fica presente na minha mente e me leva a considerar mais uma viagem dentro da Europa, adiando novamente o sonho da Ásia.

Tá vendo? Afinal, somos humanos e temos comportamentos e tomadas de decisões similares, acabamos sendo influenciados por vieses que reduzem o esforço, com isso podemos mudar de comportamento através de alguma intervenção e não tomar decisões que poderiam realmente maximizar nossa felicidade própria no futuro, devido às escolhas do presente.

Agora voltando a falar sobre a ciência comportamental, sabemos que o governo usa vieses para nos influenciar, mas e o design?

Sim, o design nem sempre é neutro e pode usar vieses ou até mesmo  padrões enganosos para nos influenciar.
Um exemplo são os Dark Patterns ou padrões obscuros, que são projetados de forma proposital para obter vantagem dos usuários, e quando bem feitos, os usuários nem percebem que estão sendo influenciados e enganados, é tão sutil a ponto de fazer com que o usuário selecione  o que o design criou em benefício do negócio e não o que ele realmente queria, ou seja, não são vieses, mas através do conhecimento sobre o comportamento humano e estratégias, o design pode sim influenciar a maneira como os usuários se comportam e guiar suas ações dentro de um produto ou serviço digital.


É verdade que, assim como em diversas áreas, no design também usamos vieses para criar produtos, jornadas e serviços mais eficazes. No entanto, é fundamental estudar bem para saber como aplicá-los de maneira adequada. Existe, inclusive, um livro muito interessante sobre esse assunto, chamado “Enviesados”, do autor Rian Dutra. Ele é especialista em psicologia aplicada ao design de experiência e aborda justamente como utilizar vieses para ajudar os usuários a tomarem decisões mais conscientes e alinhadas com seus próprios interesses. É uma leitura essencial para quem quer entender como combinar psicologia e UX de forma ética e estratégica.

Continuando com o tema, vou apresentar 8 vieses que são muito comuns no UX design:

1. Viés de Reciprocidade

Esse viés é como se fosse uma amostra grátis, ou seja, primeiro oferecemos algo de valor ao usuário, como um teste gratuito, e depois pedimos algo em troca, como a assinatura ou o preenchimento de um formulário. A lógica é que, ao receber algo primeiro, o usuário se sinta na obrigação de retribuir.
Exemplo: Oferecer um e-book gratuito em troca do e-mail do usuário.

2. Viés de Escassez

Esse viés mexe muito com a cabeça dos usuários, é aquele momento em que você entra num website de seu interesse e se depara com uma promoção tão limitada e irresistível, sua chance de ter aquilo simplesmente está esgotando a ponto de rapidamente escorrer por suas mãos e você já se sente pressionado e se imagina chorar pelo leite derramado, a sensação de ter perdido por ter demorado a se decidir é forte.
Exemplo: Mensagens como “Últimos lugares. Depressa!” ou “Tarifa mais baixa” em e-commerces.

3. Viés de Autoridade

O viés de autoridade acontece quando as pessoas confiam mais em informações vindas de especialistas ou figuras importantes. Em UX, é usado para influenciar as decisões dos usuários, mostrando que o produto tem a aprovação de alguém respeitado ou um selo de garantia.
Exemplo: Em uma página de vendas, colocar selos como “Aprovado por médicos”, “Certificado por especialistas” ou até mesmo exibir na embalagem de um produto vegetariano ou vegano o selo “V-Label” faz com que os usuários confiem mais no produto e se sintam mais seguros para comprar.

4. Viés de Prova Social

Esse viés mostra que as pessoas quando estão com dúvidas ou incertezas, acabam tomando decisões baseadas no que os outros fazem ou nas recomendações de outras pessoas, até mesmo quando algum influenciador adquire e recomenda algum hábito diferente e os seguidores decidem fazer, por sentir que são parecidos e isso pode ser a busca por pertencimento ou segurança.
Exemplo: Exibir reviews, avaliações positivas num restaurante ou o número de pessoas que já compraram ou estão usando determinado serviço.

5. Viés de Compromisso e Consistência

Esse viés mostra que as pessoas costumam se comportar de acordo com os hábitos de decisões que já tomaram antes, então é normal que os designs sejam feitos de maneira que incentivem os usuários a realizarem pequenas ações iniciais para aumentar a chance deles continuarem engajados.
Exemplo: Criar um onboarding em etapas simples, que leve o usuário a completar ações progressivas, como criar uma conta e, em seguida, personalizar seu perfil.

6. Viés da afeição

O viés mostra que as pessoas preferem interagir com marcas ou produtos que gostam ou com os quais se identificam. Se o design é amigável e a comunicação é empática, os usuários se sentem mais conectados e tendem a se engajar mais.
Exemplo: Usar mascotes ou personagens simpáticos, como o “Duo”, a coruja do Duolingo, cria uma ligação emocional com o usuário, o que aumenta a vontade de continuar usando o app.

7. Viés de ancoragem

Esse viés acontece quando a primeira informação que você recebe serve como referência para tudo o que vem depois. No design, isso é muito usado para influenciar como as pessoas enxergam preços ou ofertas, já que essa “âncora” inicial muda totalmente a forma como você avalia as outras escolhas e faz comparação, fazendo parecer que está fazendo um ótimo negócio!
Exemplo: Em um site de compras, o preço mais alto aparece primeiro. Isso faz com que as outras opções, que são mais baratas, pareçam muito mais atraentes em comparação.

8. Viés de facilidade cognitiva

Esse viés ocorre quando as pessoas preferem aquilo que é mais fácil de entender e usar, sem precisar pensar muito. Quanto menos esforço mental, melhor! Em design, isso significa criar interfaces simples, intuitivas e fáceis de navegar.
Exemplo: Em vez de pedir muitas informações de uma vez, um formulário dividido em passos menores, com campos fáceis de preencher, deixa a experiência mais tranquila e agradável para o usuário.
No Airbnb, ao criar uma conta ou fazer uma reserva, o processo é dividido em etapas pequenas e claras, pedindo apenas informações essenciais em cada passo, o que reduz o esforço mental e torna a experiência mais fluida e intuitiva.

 

Todos nós somos influenciados por diferentes vieses, e isso acontece naturalmente, já que nosso cérebro busca formas rápidas de tomar decisões. Por isso, eu decidi escrever sobre como o comportamento humano e esses vieses afetam diretamente a maneira como processamos informações e tomamos decisões. Para quem trabalha com UX e product design, entender isso é fundamental, pois nos ajuda a prever como os usuários provavelmente vão reagir a certas escolhas, layouts ou fluxos de navegação.

Por exemplo, sabendo que as pessoas preferem opções simples e diretas (como o viés de facilidade cognitiva), nós, como designers, podemos otimizar processos como o checkout de um e-commerce para serem mais rápidos e sem complicações. Além disso, o comportamento humano é fortemente influenciado por emoções e percepções inconscientes, não sendo totalmente racional. Isso significa que, ao entender essas motivações, conseguimos criar experiências que realmente se conectam com os usuários.

O design tem como principal objetivo facilitar a vida do usuário, guiando o usuário para alcançar seus objetivos da forma mais simples e confortável possível, por isso aplicamos técnicas que ajudam a deixar a experiência intuitiva, reduzindo o esforço necessário para o usuário agir.

No entanto, é importante lembrar que o uso de vieses deve ser sempre ético. Nunca devemos utilizar vieses para manipular ou criar sensações falsas de urgência, pois isso pode quebrar a confiança do usuário na marca e comprometer a credibilidade do produto. Um bom design foca em oferecer valor real, garantindo uma jornada transparente e respeitando as escolhas do usuário. Quando feito corretamente, o UX design consegue alinhar os objetivos de negócio com experiências positivas para os usuários, aproveitando insights sobre o comportamento humano de forma equilibrada e estratégica.

Referências:

https://www.chicagobooth.edu/mindworks/what-is-behavioral-science-research

 

Tversky, A., & Kahneman, D. (1974). Judgment under uncertainty: Heuristics and biases. Science, 185(4157), 1124-1131.

 

Pohl, R. F. (2017). Cognitive Illusions: Intriguing Phenomena in Thinking, Judgment, and Memory. Routledge.

Espero que tenham gostado do tema abordado neste artigo!
Continuem acompanhando para mais conteúdos sobre UX Design.

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